Latifúndios: uma oportunidade para a presidenta Dilma

15/01/2015

O segundo mandato da presidenta Dilma começou com uma trapalhada em um setor fundamental: a agropecuária. Logo após sua posse, a Ministra da Agricultura declarou ao jornal Folha de São Paulo que não existem latifúndios no país e portanto a reforma agrária deveria ser apenas pontual. Dias depois, ao tomar posse, o Ministro do Desenvolvimento Agrário, encarregado da reforma agrária e de apoiar a agricultura familiar, afirmou que existem latifúndios e que suas cercas devem ser derrubadas. Como pode um mesmo governo ter visões tão diferentes? A presidenta Dilma deve entrar em campo para fazer os ministros jogarem no mesmo time. Será uma excelente oportunidade para ela cumprir a promessa de governar com base no diálogo.

Para começar, existem latifúndios e eles são improdutivos? Segundo dados do Incra, o órgão responsável por realizar a reforma agrária, em 2010 existiam no país 69 mil grandes imóveis improdutivos somando 228 milhões de hectares. Segundo o Atlas da Terra Brasil 2015, feito pelo CNPq/USP 175,9 milhões de hectares são improdutivos no país. O Inpe e a Embrapa estimaram que em 2012 existiam cerca de 10 milhões de hectares de pastos subutilizados na Amazônia.

Por que temos tanta área mal usada? A formação de latifúndios improdutivos resulta de distorções históricas que estimularam a ocupação especulativa de terras. Por muitos anos a propriedade rural foi usada como uma proteção contra a inflação. Depois do controle da inflação esse processo diminuiu, mas outras distorções continuam.

Em novas fronteiras de ocupação como na Amazônia os especuladores ganham dinheiro tomando posse ilegalmente de terras públicas para vender no futuro. Para sinalizar que a área é ocupada, eles desmatam. Como o objetivo é especular, eles não se preocupam em investir para tornar a área produtiva. O excesso de área já desmatada é tanto que pesquisadores, inclusive da Embrapa, estimaram que o Brasil poderia produzir até 2040 sem novos desmatamentos. O uso de negócios rurais para a lavagem de dinheiro e sonegação de impostos também têm sido apontados como causa de áreas improdutivas.

Felizmente, há maneira pacíficas de eliminar os latifúndios – ou seja, sem esperar que os sem terra ocupem estas áreas para forçar a desapropriação. Basta cumprir a lei. A Receita Federal deve cobrar eficazmente o ITR (Imposto Territorial Rural) que foi criado na década de 1970 para desestimular a especulação. Quanto menor o grau de uso da terra, maior a alíquota do imposto. Porém, este imposto é amplamente sonegado.

Eu e o economista Daniel Silva estimamos que no Pará a sonegação foi de cerca de R$ 265 milhões, considerando apenas 56% da área desmatada no Pará. O coordenador-geral de fiscalização da Receita Federal reconheceu em 2013 que a fiscalização é deficiente em todo país. Muitos proprietários rurais sonegam informações sobre o preço da terra, sobre o grau de uso e sobre a área de floresta do imóvel (quanto mais floresta, menos imposto).

Para melhorar a arrecadação a Receita Federal deve usar uma malha fina com informações já disponíveis como mapas dos imóveis, imagens de satélite e preços de mercado da terra. Além disso, a presidenta Dilma deveria aplicar a Lei 8.629/1993 e atualizar os índices mínimos de rendimento para considerar o uso do solo produtivo para fins da cobrança do ITR e para a reforma agrária. Os índices atuais foram baseados no Censo Agropecuário de 1975 e são extremamente baixos; por exemplo, chegam a apenas 25% do rendimento potencial atual com uso moderado de intensificação da pecuária na Amazônia.

Para atualizar os índices basta a presidenta desengavetar o decreto que o ex-presidente Lula iria assinar em 2009, mas recuou por pressão da bancada ruralista.

A cobrança efetiva do ITR seria benéfica para os sem terra e para os produtores eficientes. Ao combater a especulação, haveria mais terras acessíveis para a reforma agrária. Além disso, para evitar pagar impostos altos, os especuladores teriam que aumentar a produção da terra ou arrendá-las e vendê-las para produtores mais eficientes. Os proprietários rurais produtivos não seriam prejudicados, pois continuariam pagando alíquotas menores do ITR. Em geral, a produção rural tenderia a aumentar.

Por causa destes efeitos benéficos, o combate a especulação fundiária já foi recomendado pela FAO (Órgão das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura), o Banco Mundial e a Comissão Européia (Popular Coalition to Eradicate Hunger and Poverty, 2000) como estratégia necessária para eliminar a fome e a pobreza no mundo.

Como benefício colateral a cobrança efetiva do ITR ajudaria a reduzir o desmatamento especulativo e o saque de terras públicas na Amazônia. De fato, só por esse efeito, já valeria a pena melhorar a cobrança do ITR.

Para melhorar a gestão das terras a presidenta Dilma também deveria tomar medidas para aumentar o sucesso dos assentamentos de reforma agrária. Alguns assentados fracassam financeiramente e vendem ilegalmente os lotes. Para reduzir o risco de fracasso, o governo deveria melhorar os serviços de assistência aos assentamentos. Além disso, o governo deveria permitir que os assentados arrendem seus lotes para permitir que eles continuem com um patrimônio e obtenham renda quando considerarem conveniente e necessário. Por exemplo, um assentado idoso e sem filhos pode preferir arrendar sua terra do que buscar financiamento e novos conhecimentos para melhorar sua produção.

Enfim, a polêmica criada pelos dois ministros sobre os latifúndios dá a presidenta a oportunidade histórica de fazer as mudanças necessárias para aumentar a produção e a justiça social. Sem sua intervenção, é provável que cada ministro continue entrincheirado em torno de suas posições e que as disputas e o desperdício dos latifúndios continuem. O fato de que a ministra da agricultura não compareceu a posse do ministro do desenvolvimento agrário mostra a urgência da presidente entrar em campo.

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Acesse o estudo com recomendações para melhorar a arrecadação do ITR.

O potencial do Imposto Territorial Rural contra o desmatamento especulativo na Amazônia. Daniel Silva & Paulo Barreto. Imazon.