
“Não aprendemos nada com a tragédia da Samarco/Vale em Mariana”? “Será que agora vamos aprender com a tragédia da Vale em Brumadinho?”
Essas frases têm sido repetidas várias vezes depois que centenas de pessoas morreram na mais nova grande tragédia brasileira.
Ouso dizer que não há muito a aprender em termos de projeção e prevenção de risco das grandes tragédias nacionais. Os riscos são conhecidos e os especialistas sabem preveni-los. Uma evidência disso é que, a cada tragédia, analistas de riscos narram ao vivo em redes de televisão o que deu errado, as falhas gritantes e as tecnologias, procedimentos e políticas para prevenir tais riscos, considerando as melhores práticas internacionais. Ou seja, não somos burros.
Se não somos burros, por que não adotamos as melhores práticas? Várias reportagens mostraram que depois dos acidentes os órgãos de controles e o judiciário não puniram os responsáveis. Alguns políticos tentaram endurecer as regras, mas foram bloqueados por outros políticos favoráveis as mineradoras – sem surpresa, aqueles que foram financiados pelo setor. Ao contrário do esperado, em Minas Gerais as regras foram enfraquecidas para facilitar um licenciamento ambiental mais rápido. Tudo isso foi feito a despeito de especialistas e ativistas ambientais que demandavam mais rigor.
Um padrão similar tem sido observado em relação ao desmatamento que é uma tragédia com enormes impactos sociais e ambientais. A poluição gerada pelas queimadas para limpar as áreas desmatadas adoece e mata milhares de pessoas todos anos.
Depois de um pico de desmatamento em 2004, o Brasil ouviu especialistas e adotou melhores práticas, incluindo: a criação de unidades de conservação, o reconhecimento de direitos indígenas sobre os seus territórios, o foco da fiscalização em municípios com maiores índices de desmatamento, o confisco de bens associados a crimes ambientais e o corte de crédito rural para quem não cumprisse leis ambientais. Além disso, empresas pressionadas por campanhas ambientais se comprometeram a boicotar soja de áreas desmatadas após 2006. A taxa de desmatamento caiu cerca de 80% entre 2005 e 2012.
A queda do desmatamento reduziu a poluição e salvou cerca de 1.700 vidas por ano. Isso equivale a ter evitado por ano 90 vezes o número de mortes da tragédia da Samarco/Vale em Mariana e quase seis vezes o número de mortes da tragédia da Vale em Brumadinho.
Apesar do sucesso contra o desmatamento, em 2012 o Congresso e a presidente Dilma perdoarem parte do desmatamento ilegal. A elite política ignorou alertas da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência e uma petição com 1,3 milhão de assinaturascontra o perdão de crimes ambientais e o enfraquecimento do Código Florestal. Os políticos também reduziram algumas unidades de conservação que comprovadamente ajudam a reduzir o desmatamento. Além disso, o Ministro do Meio Ambiente pediu desculpas a fazendeirosapós o Ibama embargar fazendas e frigoríficos que produziam e comercializavam carne oriunda de áreas embargadas. Como resultado de todas essas práticas, a taxa de desmatamento desde então subiu 71% na Amazônia. Em fevereiro de 2018, o Supremo Tribunal Federal, que havia sido questionado, validou a anistia de crimes ambientais. Portanto, se nada mudar, as doenças e mortes causadas por poluição oriunda das queimadas vão continuar.
Desses casos evidenciam-se dois grandes motivos para a falta de aprendizado sobre as tragédias ambientais. De um lado, quem se importa com o as perdas ambientais, o sofrimento humano é impotente, mesmo quando usa os melhores argumentos científicos. De outro, parte significativa da elite empresarial e do poder público é cruel – não se importa com o sofrimento causado por suas ações e omissões.
O Brasil só vai prevenir tragédias se os atuais impotentes aumentarem seu poder frente aos cruéis. Do contrário, vamos continuar parecendo burros incapazes de aprender as lições das tragédias.